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O Anatocismo no Crédito Bancário

  • Foto do escritor: Equação Assessoria
    Equação Assessoria
  • 8 de out.
  • 6 min de leitura

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Os encargos contratuais em financiamentos bancários podem ser os mais

variados, dependendo, entre outros, de fatores como a expectativa com os rumos

da economia, o tipo de operação de crédito e o tipo de devedor. É possível

afirmar, no entanto, que os encargos financeiros que figuram na maioria dos

contratos de crédito bancário são os juros remuneratórios, a correção monetária,

os juros moratórios, a multa moratória e a comissão de permanência (Rizzardo,

1994).


A cobrança dos encargos financeiros nas operações de crédito bancário é

frequentemente questionada pelos tomadores de crédito no poder judiciário, sendo

a cobrança de juros remuneratórios1 um dos principais focos de divergência. Os

mutuários bancários alegam não conseguir honrar seus compromissos financeiros

com instituições bancárias devido à excessiva cobrança de encargos, seja pela

quantidade de taxas, pelo nível excessivo das taxas de juros cobradas ou ainda

pela acumulação destas taxas.


A aplicação de forma sobreposta, ou capitalizada, dos juros remuneratórios é fonte

de um grande número de reclamações dos devedores em operações de crédito

bancário. Alegam os devedores inadimplentes, na abertura de ações judiciais, que

a taxa de juros remuneratórios que lhes é exigida não está incidindo apenas sobre

o montante mutuado, porém, simultaneamente, sobre juros calculados a cada

período determinado (geralmente mensal). No sistema judiciário, ao fenômeno de

cobrança de juros sobre juros dá-se nome de anatocismo (Sidou, 2003).


O anatocismo pode ser constatado na maioria dos contratos travados entre bancos e

empresas, sendo sua existência atrelada ao sistema de amortização utilizado, à

forma de cobrança dos juros ou à forma de cálculo para obtenção do montante dos

juros.


A cobrança de juros sobre juros no Brasil, mesmo que expressamente

convencionada em contrato, é proibida pelo decreto n.º 22.626, de 07/04/19332,

com exceção apenas das cédulas de crédito comercial e industrial, em que a

ocorrência da capitalização deve estar mencionada em instrumento contratual

celebrado entre as partes. Devido ao crescimento exponencial das taxas de juros

no decorrer do tempo, a prática da capitalização de juros pode tornar um

financiamento impagável.


Outros destacados pontos de controvérsia no que diz respeito à capitalização de

juros remuneratórios residem na utilização no sistema francês de amortização

(mais conhecido como Tabela Price) nas operações de crédito envolvendo mútuos

que serão pagos em prestações periódicas por determinado espaço de tempo, bem como na forma de cálculo e de cobrança dos juros que remuneram as operações

de crédito rotativo em conta corrente (operações conhecidas como cheque especial

ou conta garantida).


Argumentam os bancos que não há capitalização em operações que se utilizam da

Tabela Price como sistema de amortização ou em operações de crédito rotativo em

conta corrente. Entretanto, nestes itens razão não cabe aos bancos, pois a

existência da capitalização de juros na utilização da Tabela Price e nos cálculos de

operações de crédito rotativo é fato matematicamente já comprovado, inclusive,

tendo sido confirmada nos escritos do seu criador, o inglês Richard Price

(Nogueira, 2002). De fato, a capitalização é parte corriqueira da prática bancária,

tanto na aplicação quanto na captação de recursos financeiros, e este equilíbrio

entre aplicação e captação de recursos somente é quebrado pela cobrança de

altíssimas taxas de juros nas operações de crédito concedidas pelo sistema

bancário.


A comprovação da existência do anatocismo em operações de crédito travadas

entre bancos e empresas, além de se constituir em um dos motivos da morosidade

judicial, onera financeiramente as partes envolvidas, pois necessitam de contratar

profissionais especializados neste tema a fim de os auxiliarem no entendimento

deste assunto e acompanharem o desenrolar da perícia judicial solicitada pelo

magistrado. A publicação da Súmula 596 pelo STJ, em 03/01/1977, afirmando que

as disposições no decreto 22.633/1933 não se aplicam às instituições bancárias e,

mais recentemente, a edição da Medida Provisória n.º 2.170-36, de 23/08/2001,

que, em seu artigo 5.º, autoriza a prática da capitalização de juros em

periodicidade inferior à anual em todas operações de crédito concedidas pelas

instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, não

encerraram a discussão sobre o anatocismo, pois, na prática, a necessidade da

comprovação da existência do anatocismo continua predominando nos processos

judiciais atualmente em andamento nos tribunais por todo o País.


A jurisprudência em relação ao anatocismo no Brasil é bastante rica, com decisões

favoráveis a ambos os lados, mutuantes e mutuários em operações de crédito

bancário, sendo que, até o momento, não há uma decisão definitiva na maior

instância do poder judiciário, o STF, sobre sua legalidade ou não. Entre as

diversas ações que tratam sobre o assunto do anatocismo nas relações de crédito

entre os bancos e o restante da sociedade, está em trâmite no Supremo Tribunal

Federal, desde 19/09/2000, a ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade - de n.º

2.316-1, proposta pelo Partido Liberal - PL. Na ação, o requerente PL procura

derrubar a cobrança de juros sobre juros nos relacionamentos creditícios oriundos

de bancos que operam no Brasil, mas o processo permanece sem conclusão,

sofrendo da morosidade inerente ao judiciário atual. Neste processo, o pedido de

vistas pelo ministro do STF Carlos Velloso, entre 03/04/2002 e 15/12/2005, e o

pedido de vistas do ministro Nelson Jobim do STF, a partir de 15/12/2005, são os

principais motivos da lentidão no andamento processual. Até a conclusão deste

texto, esta situação ainda não havia mudado.


Segundo o PL, na sua petição inicial:O homem comum, quando é informado que a taxa de juros corresponde a 10% ao mês, logo elabora seus cálculos imaginando

que pagará, no decorrer de um ano, 120% de juros. Mas a mesma

taxa, quando capitalizada mensalmente, corresponde a 213,84% ao

ano. (Pereira em Gazeta Mercantil, Caderno A, p. 8, 11/04/2005)


A demora do julgamento da ação acima citada, além de demonstrar a dificuldade

de solucionar o problema da capitalização dos juros nas operações de crédito

bancário, sinaliza que o judiciário sofre com o problema da morosidade em sua

maior instância, o STF, denotando um péssimo exemplo de falta de agilidade

judicial em assuntos de extrema relevância ao bom funcionamento do sistema

econômico.


Entretanto, visto o problema por outro ângulo, pode-se afirmar que, embora

trazendo efeitos relevantes, a capitalização de juros não se configura como a

principal dificuldade nas relações de crédito mantidas entre bancos e empresas.


As expressivas taxas de juros exigidas pelos bancos é que realmente dificultam o

casamento entre taxas de retorno de investimentos produtivos e taxas de juros

cobradas pelos credores bancários. Tal afirmação se deve ao fato de que, caso as

taxas de juros nas operações de crédito bancário não fossem tão altas, sua

capitalização não seria tão significativa do ponto de vista financeiro.


De fato, se, em uma operação de crédito a taxa de juros exigida pelo banco é de

1% ao mês, a taxa nominal de juros será de 12,00% ao ano, e a taxa efetiva,

capitalizada mensalmente, será de 12,68% ao ano, ou seja, para o devedor, a

diferença é de 0,68% no ano devido à capitalização mensal de juros. Entretanto,

se na mesma operação de crédito, o banco passa a exigir uma taxa de juros de

10% ao mês, a taxa nominal de juros será de 120% ao ano, enquanto a taxa

efetiva, isto é, capitalizada mensalmente, será de 213,84% ao ano, espelhando

uma diferença de 93,84% ao ano devido à capitalização.


O que se depreende da explicação do parágrafo anterior é que, considerando uma

operação de crédito de R$ 100.000,00, a taxa de 1,00% ao mês, depois de

capitalizada mensalmente, resulta no valor de R$ 680,00 pagos a maior pelo

tomador do empréstimo devido à capitalização no final do período de um ano. Já

com a alteração nas taxas de juros, subindo para 10% ao mês, o valor pago pelo

devedor, devido à capitalização mensal de juros, é de R$ 93.840,00 ao final de um

ano. Assim, como se pode constatar pelos resultados apresentados, do ponto de

vista do devedor, o principal problema dos juros no mercado de crédito bancário

não está exatamente na sua capitalização, porém no nível da taxa de juros exigida

pelos bancos credores.


  1. Bibliografia consultada:

NOGUEIRA, José Jorge Meschiatti. Tabela Price – Da Prova Documental e Precisa

Elucidação do seu Anatocismo. Editora Servanda. Campinas/SP. 2002.

PEREIRA, Daniel. Pedidos de vista, exemplo de morosidade da Justiça. Gazeta

Mercantil, caderno A, p. 8. São Paulo, SP. 11/04/2005

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de Crédito Bancário. 2.ª Edição, Editora Revista dos

Tribunais, São Paulo, SP. 1994

SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 8.ª

Edição. Editora Forense Universitária. Rio de Janeiro, RJ. 2003


  1. Indicadores

    Fonte: (1) IBGE, (2) Bacen e (3) CBLC.

 
 
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